sexta-feira, setembro 12, 2008

Muralha da China: o dragão que isola Pequim

Mas a China não é só muralha

Aylê-Salassiè,
de Brasília


Quem foi a China, e não subiu a muralha, “is not a real man”(não é homem). A provocação em tom de brincadeira era feita por Mao Tsé Tung. Ele a usava até com chefes de Estado estrangeiros que visitavam o país. Depois fez uma autocrítica diplomática sobre a afirmação. De fato, subir a Muralha, uma marca da China, premiada pela Organização das Nações Unidas (Unesco), com uma das 7 maravilhas do mundo, constitui-se numa verdadeira epopéia para qualquer turista, mas, como ícone, não explica a China, apenas sinaliza.

Com o fim de facilitar a compreensão dos visitantes olímpicos e paraolímpicos sobre a cultura chinesa, o governo instalou, entre a Vila Olímpica e os estádios onde se realizam os Jogos, um conjunto de 30 pavilhões, nos quais se podem ver de demonstrações de antigas práticas sociais – artesanato, danças, histórias, canções – até representações de tecnologias de ponta autóctones em desenvolvimento. “China Stories” é o nome da exposição, que recebe diariamente milhares de pessoas do mundo inteiro presentes aos Jogos.

Construída sobre o cume das montanhas que cercam Beijing, a Muralha da China, levantada a partir do século VI d.C., não é para qualquer um, nem mesmo para atleta olímpico. Vimos alguns deles suados e ofegantes, tentando chegar ao topo dos três quilômetros iniciais. Trata-se de uma subida íncreme, cheia de degraus irregulares e piso escorregadio, sem qualquer apoio para ajudar.

O acesso se dá de diversos pontos da periferia da cidade de Beijing. O mais famoso é conhecido como “Badaling”. Pode-se avançar por 30 quilômetros, no máximo, porque o restante não passou por nenhum reparo. Entretanto, três quilômetros de subida matam qualquer um. O que salva no final é a paisagem natural (landscape) belíssima, que se descortina lá de cima, mostrando um horizonte de perder de vista, serpenteado pela Muralha, alegorizada como a imagem de um dragão que avança feroz por 6.500 km pelo interior do território, isolando Pequim do deserto de Gobi e da Mongólia.

A maioria dos visitantes só fala na Muralha e na Cidade Proibida, outros somente no Wangfuging, mercado das sedas, onde os turistas – não os chineses – fazem o papel de bobo, experimentando espetinhos de escorpião, baratas do mato, cavalos-marinhos passados na chapa quente e outras iguarias exóticas. O cotidiano da vida dos chineses apresenta, contudo, algumas variáveis culturais diferentes, enriquecidas por práticas autóctones curiosas, que o governo incentiva como forma não apenas de manter os empregos informais que gera, mas sobretudo como reforço ao processo de identidade nacional.

O chá é um dessas marcas sagradas. Ao mesmo tempo em que funciona como uma demonstração de hospitalidade, uma maneira delicada de mostrar admiração pelo outro, ele é usado para criar um ambiente comercial positivo para os produtos ou serviços chineses mais sofisticados. O cafezinho brasileiro passa longe, porque o serviço de chá mantém um certo refinamento litúrgico que o desavisado não percebe. São centenas de variedades, cada uma com um significado próprio, algumas exigindo até mesmo modelos distintos de xícaras e bules.

O chá é originário de uma árvore nativa das florestas do nordeste da Índia e do sul da China, a Camelia florensis, que chega a 15 metros de altura, embora a poda se dê logo a metro e meio. Raramente tem tempo de florescer. Prima das camélias, tem uma flor linda, com pétalas brancas, perfumadas e largas. Mas, as misturas do chá são muito variadas, bem como os seus cultos e cerimoniais.

Os chineses gostam de apreciar o aroma do chá, antes de o beber, num prolongado rito quase religioso, em que eles vêem concomitantemente “a doçura da vida, a consistência do amor e a amargura da morte”. Metade da produção mundial de chá é assegurada pela China. O chá do sul da Ásia é um grande concorrente de qualquer outra bebida, seja café, sucos ou coca-cola. Tem mais: não é só de Muralha e chá que vive a China. Passou o tempo das monoculturas.

Projeto UCB Beijing 2008

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